Os desafios para uma Odontologia sustentável

Os desafios para uma Odontologia sustentável

Por: Vanessa Navarro

Sustentabilidade é um termo amplo, que comporta ações práticas, éticas e filosóficas voltadas para a manutenção do equilíbrio da vida e saúde de todos os seres viventes do planeta.

Especialista em Odontologia Preventiva e Social, o cirurgião-dentista Luís Antônio de Filippi Chaim explica que na Odontologia, aparentemente, a sustentabilidade tem sido apresentada como uma nova característica profissional, um novo parâmetro dentro da Odontologia, isso porque, nos últimos anos tem crescido a preocupação pela manutenção de um meio ambiente saudável. “As profissões ligadas à área da saúde também têm o seu papel, no que diz respeito a manter ambientes saudáveis e isentos de contaminação, além de partilhar da ideia de que somos parte integrante do mundo e não apenas consumidores inconsequentes do mesmo”.

Os profissionais de Odontologia devem ter a consciência de que o mundo precisa ser preservado para as gerações atuais e especialmente as futuras. O especialista defende que, nas questões relativas à sustentabilidade, é preciso ter em mente três aspectos fundamentais: o ambiental, o financeiro e o social.

A sustentabilidade na Odontologia implica em atitudes ecologicamente adequadas, que preservem os recursos naturais; ações que sejam economicamente aceitáveis, valorizando o ser humano e oferecendo o melhor desempenho de seu trabalho, evitando gastos e perdas desnecessárias, e ainda estimular o apoio aos programas de educação e promoção de saúde, desenvolvidos pelos governos (Federal, Estaduais e Municipais), e também pelo próprio profissional em sua atividade clínica. “Dentre os vários aspectos da sustentabilidade em Odontologia, o profissional deve aprender a lidar com a produção, tratamento e o descarte de resíduos sólidos, discutir o impacto do amálgama dental no meio ambiente, já que no preparo dos amálgamas dentais, utiliza-se o mercúrio, além de outras questões que abrangem o manuseio da água e da energia que também devem ser discutidas”.

Chaim esclarece que os planos de saúde que contemplam a saúde bucal afirmam que a Odontologia suplementar ou particular deve ser sustentável, significando com isso que, a assistência odontológica, como em qualquer atividade empresarial, deve atingir o resultado de uma equação equilibrada entre o custo operacional que permita ao paciente/cliente pagar pelo serviço e garanta a saúde financeira de profissionais e empresas. “Mas muito mais que simples atitudes, o que devemos aprender a discutir são propostas filosóficas de atenção à saúde que atendam as reais necessidades e promovam o ser humano; que sejam economicamente viáveis; socialmente equilibradas e que não afetem o meio ambiente de maneira agressiva ou destruidora”.

No mundo atual, elucida o especialista, estamos diante de um novo tipo de consumidor, que ainda não se aplica à sociedade como um todo, mas já há uma boa parcela da mesma. “Este novo consumidor se apresenta mais consciente das questões relacionadas ao consumo e manutenção do meio ambiente. Empresas que estão investindo no crescimento sustentável e respeito ao meio ambiente acabam por conquistar este novo consumidor, sendo que a área da saúde também está atenta a este novo paradigma”.

Por que ser um dentista sustentável?

Luís Antônio de Filippi Chaim, que é autor da obra “Odontologia Para Uma Vida Saudável”, considera louvável e gratificante perceber profissionais propondo e realizando práticas que condizem com a filosofia da sustentabilidade na área da saúde. “No entanto, permita-me analisar, mesmo que de forma simplória, o contexto sociocultural que envolve a prática odontológica no seu cotidiano. Muitos gostariam de estar vivendo em um sistema capitalista, mas, na verdade, vivemos em uma sociedade pseudocapitalista. Alguns irão concordar e outros discordar, mas, isso faz parte de um processo democrático, onde as opiniões devem ser livres e respeitadas, mesmo que não haja concordância entre todos. Afinal, como dizia Nelson Rodrigues, ‘toda unanimidade é burra’”.

Em um sistema capitalista, os meios de produção e o capital são propriedade privada, tem dono. Em um mundo capitalista, visa-se sempre o lucro, mas todo trabalho deve ser remunerado, e as negociações são feitas com dinheiro. “Muitos perceberam que a valorização econômica do trabalhador pode oferecer benefícios, por exemplo, aumentar a vontade de trabalhar. Esse aumento da vontade e dedicação ao trabalho pode levar os indivíduos a desempenharem os serviços com mais qualidade e prazer, contribuindo, dessa forma, para um padrão de sucesso maior em suas atividades”, argumenta o especialista em Odontologia Preventiva e Social. “Infelizmente nossa sociedade não pensa dessa forma e, ao contrário do estímulo econômico aos trabalhadores e/ou profissionais de qualquer serviço, incluindo os profissionais de Odontologia, o que vemos é uma sociedade onde ainda se busca ‘o levar vantagem’, como aspecto principal das relações, quer sejam profissionais ou humanas”, completa Chaim, que também é mestre em Fisiologia e Biofísica do Sistema Estomatognático e doutor em Radiologia Odontológica.

Quando não há valorização, o trabalho passa a ser simplesmente uma maneira de “ganhar dinheiro” e esquece-se de toda proposta filosófica de “servir ao próximo”, que todo trabalho carrega em si mesmo. “Na sociedade em que vivemos, a exploração do trabalho do outro é a prática mais comum. Nossa sociedade tem pudor de pagar bem aos seus profissionais de saúde. Assim, muitos profissionais se sujeitam a baixas remunerações, para poder continuar trabalhando, uma vez que, os indivíduos buscam preço, ao invés de qualidade”, lamenta o cirurgião-dentista. “Muitos profissionais acabam sofrendo com a falta de perspectiva de melhoria socioeconômica e de valorização, e entram em um circuito onde se torna necessário baixar custos ao máximo, para poder ter uma remuneração mínima. Neste sentido, toda e qualquer nova proposta não pode e dificilmente será implantada se houver aumento de gastos”, completa o especialista.

Chaim justifica que a Odontologia sustentável, para ser devidamente uma proposta aceitável, não deve trazer mais ônus ao profissional, antes, contudo, deve minimizar custos e se possível, aumentar os ganhos. “De outro modo, a Odontologia sustentável, apesar de ser uma proposta muito interessante e necessária no mundo moderno, fracassará na prática do cotidiano; tornando-se mais um dos diversos discursos vazios, teorizando-se apenas, sem ser aplicável”.

Algumas atitudes sustentáveis dentro da Odontologia são perfeitamente aplicáveis, uma vez que, não implicam em elevação de gastos, ao contrário, podem até reduzir os custos operacionais, por exemplo, o gerenciamento do consumo da energia e da água nas clínicas odontológicas.

Muito embora sejam importantes e tragam benefícios ao ecossistema, enfatiza o especialista em Odontologia Preventiva e Social, atitudes como o uso da radiografia computadorizada pelo uso de placas de fósforo onde imagens são digitalizadas, ou pelo uso digital direto, por meio de um painel detector digital, onde a imagem é formada eletronicamente, é uma opção a ser considerada. “Sem dúvida, há benefícios na digitalização das imagens, como a eliminação do processo químico com impacto financeiro e ambiental; redução da perda de filmes, evitando novas tomadas radiográficas, e ainda o aumento na qualidade e consistência das imagens. Mas a escolha de um desses sistemas de digitalização de imagens pode aumentar os custos, e não os reduzir. Sendo assim, mais uma vez caímos na questão econômica. Se a prática de uma Odontologia sustentável trouxer mais custo ao tratamento, ele deverá ser repassado ao produto final, e, como consequência, o aumento da dificuldade de manutenção e captação de novos clientes”.

Estudos demonstram que as preferências do consumidor são uma força dominante, mas as escolhas deste em relação aos bens e serviços ecológicos são duvidosas. Aparentemente, a demanda por serviços adequadamente sustentáveis não é levada em consideração na maioria dos casos.

A prática de uma Odontologia sustentável não pode ser somente um diferencial entre os profissionais, mas uma ação corriqueira e responsável de todos os que praticam a Odontologia. “Deve visar especialmente a melhoria das condições de vida da população, estimulando programas de erradicação da fome e pobreza, diminuindo as desigualdades sociais, sem desrespeitar os sistemas ecológicos, que todos somos dependentes. A divulgação destas ações deve atingir toda a sociedade, para que esta valorize as atitudes”, defende Chaim.

A importância de ser um “cirurgião-dentista sustentável” passa necessariamente pela valorização das ações em sustentabilidade. São elas a valorização social, cultural e econômica, sem as quais não haverá mudança da atenção odontológica. Chaim explica que a divulgação dessas ações em sustentabilidade deve atingir a sociedade como um todo e não somente a classe odontológica. É preciso uma ampla divulgação, para que a proposta tenha uma maior receptividade. “A sociedade deve observar essas ações e valorizá-las, sem o que, não sairemos do discurso e da beleza da teorização”.

Pratique a Odontologia sustentável

Chaim esclarece que o assunto não se esgota. “Quando paramos para avaliar propostas para uma atuação sustentável em Odontologia, mais e mais ideias vão surgindo com verdadeiro potencial de aplicabilidade”.

O especialista apresenta abaixo uma análise crítica de propostas factíveis de serem implantadas, e outras, nem tanto. “O fato de serem mais fáceis ou mais difíceis não tornam as ações menos importantes”.

1 – Evitar o desperdício de água, desligando as cuspideiras sempre que não houver atividade. Estimular o uso controlado de água ao escovar e limpar os dentes. Fácil.
Existem modelos de vasos sanitários que podem economizar água, no entanto, isso implica na troca do antigo (remoção e colocação, custo de mão de obra), além do custo do mesmo. Mais difícil.

2 – Trocar as lâmpadas incandescentes por fluorescentes ou de LED, na medida em que for necessária a substituição. Quem puder trocar todas de uma vez, melhor. A tendência é a conta diminuir. Fácil.
Torneiras e luzes podem ser controladas por sensores de movimento e tempo, neste caso, também se aplica a questão da substituição dos antigos por novos. Há o custo das torneiras e dos acessórios para temporização das luzes, além da mão de obra. Mais difícil.

3 – Usar iluminação natural em ambientes com muitas janelas e vidros. Fácil, desde que sua construção permita o acesso da luz.

4 – Usar copos ou canecas de vidro para o consumo de água do pessoal da equipe de trabalho. Fácil.
Uso de copos descartáveis biodegradáveis confeccionados com amido de milho. O custo para 50 unidades de 250 ml é em torno de R$ 20. O custo dos copos plásticos comuns de 250 ml (para 100 unidades) é algo em torno de R$ 7.

5 – Usar sacos para lixo biodegradáveis. Fácil.
O custo do saco para lixo biodegradável de 30 litros, com 20 unidades, é por volta de R$ 22. O preço do saco para lixo de 30 litros preto básico, com 50 unidades, é aproximadamente R$ 15.

6 – Uso de um forro especial em tetos e paredes, para concentrar a temperatura do ar condicionado. Exige reforma das paredes da sala por completo. Custo elevado. Mais difícil.

7 – Instalar um sistema para coleta de água da chuva. Mais difícil.
A água da chuva desce pelo telhado e é conduzida por meio de calhas até o sistema de filtragem. A água limpa vai para a cisterna. A sujeira eliminada pela filtragem segue para a canalização pluvial ou percolação no solo. Aparentemente a manutenção do equipamento é fácil. Basicamente, consiste em fazer duas a quatro vistorias anuais no filtro. Pode ser usada na lavagem de pisos e na irrigação de plantas e jardins.
O preço de um sistema de aproveitamento de água da chuva varia de acordo com o projeto, uma vez que cada área de telhado demanda configurações de componentes diversificadas.

8 – Usar radiografias digitais. Mais difícil.

9 – Usar produtos odontológicos e cremes dentais que apresentem embalagens biodegradáveis. Fácil, mas ainda dependente do custo.

10 – Usar escovas biodegradáveis. Fácil, desde que as escovas demonstrem capacidade efetiva de remoção de biofilme dental, com textura de cerdas adequadas, sem provocar lesões teciduais e durabilidade equivalente as comuns.

11 – Apoiar as iniciativas de reciclagem, como o uso de tubos de dentifrícios para a confecção de telhas, carteiras e outros utensílios. Fácil.

12 – Confeccionar um raspador de língua simplificado com lacres de tampas plásticas. Fácil.
As orientações podem ser encontradas aqui.

13- Estimular o uso de quantidade mínima de dentifrícios para as escovações, evitando gastos desnecessários e a fluorose dental em crianças. Fácil.

14 – Ensinar a bochechar com o resíduo da pasta, em vez de comprar soluções fluoradas, pois os resultados em termos de redução de cáries são semelhantes. Fácil.

15 – Os resíduos gerados devem ser tratados e despejados adequadamente, estimulando e apoiando a coleta seletiva. Fácil.

16 – Apoiar a reciclagem, apoiar iniciativas em seus bairros e cidades, assinar listas de movimentos sociais em prol da natureza e legislações que visam a proteção do meio ambiente. Fácil.

17 – Respeitar a natureza é respeitar a si mesmo. Fácil.

Muitas outras propostas devem ser incorporadas a estas poucas apresentadas, na medida em que a sociedade e os profissionais venham a se conscientizar do necessário controle social e ambiental. Mas, de acordo com o cirurgião dentista e especialista em Odontologia Preventiva e Social, de todas as propostas, a mais urgente e fundamental é a educação para a promoção de saúde. “Não há alternativa mais necessária que esta, pois a educação é a base para todo processo de transformação”.

A educação (instrução) é um processo difícil de ser implantado, já que os profissionais devem entendê-la como um processo longo, lento e contínuo. Afinal, não se realiza processo educacional em uma sessão.

Todo processo educacional é dinâmico, pois deve agregar além de informações, atitudes que promovam a mudança, tanto do paciente, quanto do profissional. “As salas de espera dos consultórios podem oferecer material de leitura com objetivos educacionais, voltados para a promoção da saúde, bem como para o estímulo as ações em prol do meio ambiente. Crie seu próprio material instrucional, personalize-o e aproveite para cancelar a assinatura de seus periódicos, economizando papel, tinta, notícia ruim e dinheiro”, incentiva Chaim.

Lembre-se que não pode haver desenvolvimento de uma Odontologia sustentável sem a compreensão dos valores éticos emanados dos princípios vocacionais da profissão. “É fundamental que o profissional se torne mais sensível quantos aos problemas sociais e ecológicos, aumente sua compaixão em relação a natureza, ao próximo e a si mesmo. Só se constrói uma sociedade sustentável, um planeta sustentável, uma Odontologia sustentável, quando a solidariedade for a base das relações do ser humano com outros seres humanos e com a natureza”, finaliza o também especialista em Acupuntura, Luís Antônio de Filippi Chaim.

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