Odontologia do Trabalho: Por que aplicá-la?

Odontologia do Trabalho: Por que aplicá-la?

Dando seguimento à proposta preliminar desta coluna da Odontologia do Trabalho (OT), utilizando-me dos princípios dos 5W2H*, discutirei as razões pelas quais entendemos a necessidade da prática da especialidade.

Para tanto, é importante salientar que a boa prática da Odontologia do Trabalho parte do fato de que a saúde (lato sensu) interfere nas atividades humanas, e considerando-se a centralidade que o trabalho assume em nossas vidas, nada mais justo do que pensarmos sobre as implicações mútuas destes aspectos da vida, ou seja, na visão da Odontologia do Trabalho, as relações circulares e suas consequências compreendem o trinômio: Saúde-Trabalho-Saúde.

Tratando-se especificamente da saúde orofacial do trabalhador, não raramente, defrontamo-nos com o seguinte questionamento: “qual a real necessidade dos programas de acompanhamento e promoção preconizados pela OT, se a ‘maioria’ dos trabalhadores desfruta de planos odontológicos assistenciais”?

Ainda que o ramo das práticas assistenciais dos serviços odontológicos seja um parceiro imprescindível para que a Odontologia do Trabalho logre êxito em suas finalidades, a esta última são-lhes pertinentes certas dedicações e práticas em saúde e segurança integral dos trabalhadores, que pela própria limitação de informações, para além da anamnese clínica, seria inviável às rotinas dos serviços assistenciais.

Aspectos como os riscos físicos, químicos, biológicos e psíquicos relacionados aos ambientes e organização do trabalho, deixam a visão do profissional de Odontologia, dado o enfoque nos cursos de graduação, modo geral, circunscrita às próprias atividades e aos seus locais de trabalho e sua autopreservação.

Muito embora existam as descrições aplicáveis aos grupos homogêneos, segundo a atividade e a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), isso não é suficiente para melhor entender as relações entre saúde-trabalho-saúde, razão pela qual, associada à premência operatória nos contatos com o trabalhador, inviabiliza-se ao Clínico Assistencial uma maior exploração dessas nuances vinculadas ao labor.

O conhecimento sobre a tarefa prescrita e as reais condições e ambiente de trabalho para cada agrupamento laboral, e até mesmo individual, é de fundamental importância, tanto à condução de uma anamnese dirigida, bem como no entendimento das condições orofaciais diagnosticadas. A partir disso, o Cirurgião-Dentista do Trabalho, por meio de ações transdisciplinares (técnicas e administrativas), torna-se elemento contributivo no aprimoramento de rotinas da psicodinâmica do trabalho realizado e prevenção de situações de saúde que se constituam em risco para a execução das atividades com qualidade, segurança e preservação da vida daqueles que as executam e também do coletivo, como são as situações que se configuram em Absenteísmo do Tipo II, também chamado de Absenteísmo de Corpo Presente, ou ainda, as condições denominadas pelo neologismo “Presenteísmo”.

Evidentemente, outros aspectos, não menos importantes, justificam a prática da OT. Do ponto de vista da Epidemiologia, a continuidade em uma série histórica na obtenção de diagnósticos, permite a compilação de uma base de dados que incluem faixas etárias mais elevadas, permitindo-se ações prevento-promotoras em saúde orofacial, seja no âmbito privado, como em políticas públicas. Por sua vez, uma das atividades clínico-administrativas, que é a do monitoramento do Absenteísmo do Tipo I, seja ele de investimento (horas laborais investidas no tratamento preventivo e interceptador das enfermidades orofaciais) ou de perda (quando o trabalhador fica afastado por um ou mais dias, devido às intervenções emergenciais, excetuando-se as situações envolvendo procedimentos cirúrgicos programados), faz com que a Odontologia do Trabalho desempenhe as funções de assessoria à gestão corporativa (pública ou privada), no sentido de elaborar, implantar e manter subsídios relativos à saúde orofacial da população acompanhada, inserindo-os nos programas de redução das doenças crônico-degenerativas (DCD), ainda que não decorrentes, diretamente, do trabalho.

Finalizando, cabe salientar que o fato de alguns (raros) serviços dedicados aos recursos humanos corporativos requererem relatórios periódicos dos planos e convênios odontológicos, todavia, por limitações bioéticas, esses dados se restringem às informações quantitativas e financeiras. Pelo próprio distanciamento (físico e de prioridades) dos serviços assistenciais com o universo corporativo, pode-se afirmar que, somente com a presença/consultoria de um Cirurgião-Dentista do Trabalho, pelas razões acima descritas, as informações sobre as condições orofaciais dos trabalhadores repercutirão em diálogo transdisciplinar entre os demais profissionais de saúde e segurança, assim como em ações didático-reeducadoras junto à população economicamente ativa, que, sem dúvida alguma, projetar-se-á nas futuras gerações, justificando-se assim, os múltiplos investimentos sociais em saúde orofacial.

Colocando-me à disposição para dúvidas e/ou sugestões de temas transdisciplinares conexos, deixo a todos um cordial abraço!

* Acrônimo identificador dos termos ingleses: What-Why-Who-When-Where-How-How Much.


Dr. HoppJoão Rodolfo Hopp
Cirurgião-dentista. Pós-graduado em Periodontia. Especialista em Odontologia do Trabalho. Mestre em Trabalho, Saúde e Ambiente. Vice-Diretor Científico do Departamento de Odontologia do Trabalho da APCD-ABCD. Experiência de 30 anos como gestor e responsável técnico à frente do Programa de Odontologia Ocupacional, em empresas do setor elétrico paulista.

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