A estética na visão da Odontologia Legal

A estética na visão da Odontologia Legal

O forte apelo do marketing odontológico nas mídias sociais valoriza o conceito da estética, agregando valor ao procedimento clínico, com o objetivo de atrair mais clientes, conferindo ao cirurgião-dentista uma obrigação de resultado: procedimento com a “finalidade estética”.

A palavra estética, do grego aisthesis, significa sensação. Derivada da concepção Aristotélica, a estética é entendida como o ramo da ciência que tem por objeto o estudo da beleza, suas manifestações na arte e na natureza (harmonia das formas).

Autores dedicados ao tema “estética em Odontologia” explicam que o sorriso contribui para a beleza, revela a saúde bucal e o cuidado pessoal; confere luminosidade à expressão facial e “é um dos símbolos da felicidade e relação pessoal. […] Proporcionar a felicidade com o próprio sorriso é um dos objetivos da Odontologia Estética”, como afirmam Kyrillos e Moreira.

Em contrapartida, doutrinadores do Direito comentam a especial tutela à imagem da pessoa existente na Constituição Federal (CF) de 1988, posteriormente, recepcionada pelo art. 20 do Código Civil Brasileiro (CCB) de 2002: “O importante na espécie, é que a imagem constitui o sinal sensível da personalidade; traduz para o mundo exterior o ser imaterial da personalidade, delineia-a, dá-lhe forma”, conforme interpreta Stoco em publicação de Reis.

No contexto geral, o conceito de beleza é variável, pois depende do momento histórico, padrão sociocultural e do meio em que se está inserido. Na Odontologia, porém, as técnicas odontológicas (em sua maioria, consideradas obrigação de meios), mesmo com finalidades estéticas, primam pela reconstituição e manutenção da saúde bucal, associando a função à estética, sem causar dano ao paciente. O planejamento deve promover boa oclusão dentária, boa mastigação, fonética e condições saudáveis e estáveis das estruturas envolvidas, contribuindo para a longevidade dos tratamentos realizados.

A resolução nº 118/2012 do Conselho Federal de Odontologia (CFO) normatiza o exercício da Odontologia em benefício da saúde humana, destacando os direitos e deveres dos cirurgiões-dentistas, dentre eles, enfatizam-se os Documentos Odontológicos no Capítulo III, artigo 17: “É obrigatória a elaboração e a manutenção de forma legível e atualizada de prontuário e a sua conservação em arquivo próprio [apropriado], seja de [na] forma física ou digital”.

O prontuário odontológico (PO) pertence ao paciente. A sua guarda, habitualmente, fica a cargo do profissional. Sua adequada elaboração é dever do cirurgião-dentista, atendendo aos aspectos administrativos, clínicos e legais, com anotações detalhadas, de acordo com a evolução dos atendimentos.

De maneira geral, o PO é composto da ficha cadastral, ficha de anamnese, planejamento (com opções de tratamentos), histórico clínico evolutivo, solicitações de exames, resultados dos exames complementares (tomografia computadorizada (TC), radiografias, modelos, fotografias, laudos laboratoriais, entre outros), atestados e declarações, prescrições, pareceres, encaminhamentos, orientações pré-trans-pós-operatórias e preventivas, podendo ir para além desta.

Conforme o preconizado pelo Código de Ética Odontológica (CEO), as informações nele contidas podem ser manuscritas ou digitadas, de tal maneira que possam ser sempre com a ciência do paciente ou responsável legal por meio da assinatura ou rubrica.

O planejamento, com suas variantes de técnicas e materiais, é peça fundamental no caso de demandas judiciais. Recomenda-se o máximo cuidado com os detalhes das opções recomendadas, com destaque especial para aquela assumida pelo paciente (plano de tratamento efetivo), seguindo, integralmente, o preconizado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), e ressaltado no relatório final apresentado ao Conselho Federal de Odontologia pela Comissão Especial, instituída pela Portaria CFO-SEC-26, de 24 de julho de 2002.

O dever de informar, previsto no art. 6º do CDC, enfatiza a obrigatoriedade da prestação de informações claras, verdadeiras e corretas sobre o produto ou serviço contratado entre o fornecedor e o consumidor. A publicidade e o marketing dos produtos e serviços geram expectativas nos consumidores, consideradas legítimas perante a lei. O seu descumprimento, decorrente da propaganda enganosa, caracterizam inadimplemento contratual.

A falta de informação pode caracterizar a responsabilidade objetiva do fornecedor por eventuais danos, equiparando-se, segundo o “caput” do art. 12 do mesmo código, a um “defeito” do produto ou serviço. Considera-se como propaganda enganosa quando informações falsas ou insuficientes configuram vícios dos produtos e dos serviços – Art. 18 do CDC, obrigando o fornecedor a sanar o vício em 30 dias, cumprindo o ofertado ou informado. O consumidor poderá escolher, alternativamente, ao seu critério: substituição, complementação do bem, restituição ou abatimento da quantia paga.

A responsabilização do cirurgião-dentista, diante do litígio, será avaliada quanto à sua ação ou omissão. O dano é o prejuízo do fato gerador (ato profissional), podendo ser patrimonial (material) e/ou extrapatrimonial (moral). Dano passível de ressarcimento é o prejuízo jurídico que se caracteriza frente a sua certeza. Na ausência da comprovação do dano, não há o que indenizar.

O erro odontológico, como fato gerador de dano físico e/ou psíquico ao paciente, resultante do atendimento profissional pelo cirurgião-dentista, é do mérito do magistrado, a partir das provas admitidas sobre o suposto dano alegado, conforme assevera Vanrell e Borborema.

Em situações nas quais a conduta praticada pelo cirurgião-dentista contraria as normas técnicas previstas na literatura científica atualizada, resultando em dano para o paciente, serão determinadas punições adequadas descritas no Direito (ressarcimento do valor pago, pagamento dos custos ao tratamento reparador necessário, indenização por dano material, indenização por dano moral e/ou indenização por dano estético).

As indenizações pelos prejuízos materiais e/ou moral-estéticos podem ser cumuladas, conforme SÚMULA 37 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Modernamente, também é passível de cumulação a indenização por dano moral e dano estético, conforme SÚMULA STJ 387: “É possível a cumulação das indenizações de dano estético e moral”.

O Artigo 15 do CCB prestigia a liberdade individual do próprio corpo e a própria vida. Toda vez que houver a invasão do corpo e da integridade física de alguém, deve prevalecer o binômio informação-consentimento: “Princípio da Autonomia do Paciente”, remetendo-nos ao Termo de Consentimento Informado (TCI) ou Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Frente à prestação de serviço odontológico obrigacional envolvendo a estética, o elemento diligência (zelo, cuidado, dedicação, empenho), conferido pelo profissional, é desconsiderado pelo paciente, quando ocorre um mau resultado. A maioria dos procedimentos odontológicos é invasiva, e o fator álea (aquilo que independe do atuar profissional) está sempre presente, pois mesmo em se tratando de uma obrigação de resultado, há a possibilidade de “álea terapêutica”, frente às diferentes respostas orgânicas de cada paciente ao tratamento realizado, no entendimento de Giostri.

Concluindo, frente às considerações tecidas, cabe salientar ao colega cirurgião-dentista, que o atuar em conformidade com as normas éticas e com as técnicas reconhecidas pela literatura odontológica, além de ser um dever, constitui-se também em uma conduta prudente. Portanto, é imperioso investir o tempo necessário ao registro dos dados pessoais do paciente (cadastro), das informações sobre o estado da saúde geral, bucal e comportamental (anamnese), das propostas de tratamentos (opções), solicitação de exames iniciais, plano de tratamento (alternativa escolhida pelo paciente), anotações da evolução clínica (histórico clínico), arquivo documental (radiografias, encaminhamentos, orientações, prescrições farmacológicas, atestados e outros), emissão de TCI ou TCLE, com a assinatura do paciente. Esses documentos caracterizam o prontuário odontológico, e resguardam o profissional demandado em possíveis litígios decorrentes do tratamento odontológico.


Dra. ArleteArlete de Conti Handa
Cirurgiã-dentista. Especialista em Odontologia Legal. Especialista em Perícias Criminais. Membro da Conselho de Ética do CRO-PR. Perita Judicial no TJ-PR. Assistente Técnica em Ações Judiciais. Pós-graduada em Disfunção ATM e Dor Orofacial e em Acupuntura Médica.

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anuncio
Anuncio